Girl From Sao Paulo

"you are crossing the tropic of capricorn".

06 October 2006

Duvida cruel


Sabado gosto de ir na feira perto de casa. Adoro passar pela feira inteira, olhar todas as opções e começar a comprar na segunda volta. A variedade de frutas e legumes é impressionante mesmo para gringos bem acostumados a abundância do Brasil. A ideia de poder provar frutas e queijos antes de comprar é um luxo.
(Experimente pedir uma lasca de parmesão no Grande Epicerie de Paris ou no Harrods de Londres e você vai entender minha alegria.)
Mas como nem tudo são rosas, é na feira que eu vejo as crianças da favela local, em bando pedindo moedas ou se oferecendo para carregar minhas sacolas por alguns trocados. No começo isso me chocou demais. A ponto de chegar em casa e me trancar no banheiro para chorar. Mas aos poucos fui entendendo que: o moleque do farol está pedindo porque os pais o obrigam, e os bebês de colo nem sempre são das "mães". E aprendi a me manter distanciada desse ciclo vicioso não contribuindo em farois e sim com instituições de apoio que eu achei honestas. E como acontece a muitos - infelizmente, fui me anestesiando.
Assisti o filme CRIANÇAS INVISIVEIS ("All The Invisible Children") e fiquei muito comovida com a abordagem que a Katia Lund deu a história das criancas Bilu e João. Eles são da favela, trabalham para trazer comida para casa, brincam e sorriem. Mas no filme percebe-se que estão chegando perto da fronteira entre achar que a vida pode ser bela e perceber que ela pode não oferecer esperança. E a ultima cena deixa bem claro que o futuro deles depende de outros.
Um destes sábados na feira, umas crianças vieram me pedir moedas, e depois pastel. Pareciam ter entre 10 e 14 anos. Um pequenininho aventurou-se e pediu um chocolate. Achei aquele garotinho ousado tão querido que pensei logo em uma maneira de ele ganhar o seu chocolate. Perguntei se ele frequentava a escola e todos responderam que sim.
Eu: "Então é o seguinte. Vou fazer umas perguntas e quem acertar ganha um chocolate"
Tinha uns oito ou dez moleques á minha volta, e alguns pularam alegres.
Eu: "Em que ano o Brasil ficou independente?"
Silencio.
Eu: "Quem descobriu o Brasil?"
Silencio.
Um leve mal estar tomou conta de mim ao perceber que a minha brincadeira tinha de repente se transformado em uma coisa mais séria. Comecei a pensar rápidamente em algo mais fácil.
Eu: "Quem é o presidente do Brasil?"
Menininha:"Serraaaa."
Menininho: "Não, é a Marta."
Eu: "O presidente é o Lula. Deve ter uma foto dele na escola de vocês."
Meninos e meninas: "Lulaaaaa"
Melhor partir para numeros.
Eu: "Quanto é 4 X 5?"
Menininho 1: "Dez!!!"
Menininho 2: "Não, nove".
As pessoas que passavam olhavam com desinteresse, anestesiadas.

Parti para perguntas tipo 1+1 e nome da cidade para garantir o chocolate dos pequenos.
Mas meu coração ficou apertado. Fiquei com vergonha e tristeza de achar que podia fazer com eles o mesmo tipo de brincadeira que faço com os sobrinhos, o filho e os amiguinhos.
Onde está o direito a educação desses pequenos cidadãos brasileiros? Eles frequentam a escola, mas o que eles fazem lá se não sabem coisas que me parecem tão básicas? Que tipo de estrutura o governo garante a essas crianças? E como podemos esperar que elas quebrem o ciclo de pobreza e muito mais importante: o ciclo de ignorância se não as educarmos?
Será que eles acham que a "história do brasil" não lhes pertence? Ou que nada de bom pode ser multiplicado por 4?
Fiquei com muitas perguntas no ar, e para essas nem eu mesma sei a resposta.
Nunca pagamos tanto imposto.
Os nossos filhos estudam em colégios particulares.
Precisamos ter planos de saude.
O que acontece com todo o dinheiro que o governo arrecada?

Estou com esperança que o futuro presidente pense nessas crianças. Me proponho a pagar todo o imposto que me cabe (sem receber em troca a educação de meu filho ou a saude da minha familia). Mas, se esses recursos não estão a ajudar os mais necessitados, me pergunto: será que minhas contribuições ajudam a perpetuar um ciclo vicioso de desvio de recursos e de irregularidades como as que temos visto nos ultimos anos?

Que dúvida cruel!

01 October 2006

o voto


Hoje de manhã, o marido foi votar. Eu sou imigrante e portanto não tenho o direito ao voto no Brasil. Enquanto ele foi a escola publica onde está registrado para votar, eu fui caminhar. Andei em uma pracinha no fim de uma rua fechada, onde os residentes plantaram amoreiras, lirios e alfazema. Escutei os passarinhos cantando e observei o tom de intenso lilaz que cobre as jacarandas paulistas espalhadas pela cidade. Peguei uma raminha de alfazema e caminhei com ela na mão para poder sentir o aroma de vez em quando. Quando eu faço caminhada sinto uma paz incrivel. O mundo parece harmonioso, tudo parece estar no lugar devido. Sinto isso tambem quando escrevo, escuto certas musicas ou estou na cadeira de montadora.
Entretanto o marido estava votando por eliminação. Votando para tirar alguem do poder e não para colocar alguem em quem se acredita. Votando para procurar uma medida de justiça em relação a uma decepção em vez de votar para alimentar a esperança. Lembrei que da ultima vez que eu fiz isso, tive os mesmos motivos. Sou cidadã americana e votei para tirar um presidente, sem ter desenvolvido muito interesse por outro. No meu caso não deu certo, porque o resto de meus conterrâneos não tiveram a mesma ideia e o cowboy vai continura por alguns anos. Mas ainda existe esperança aqui. Eu tenho simpatia por um dos candidatos, e essa simpatia vem de perceber que ele tem uma conduta e postura que eu admiro.
Então, sorte pra nós.
May the best man win.