Duvida cruel
Sabado gosto de ir na feira perto de casa. Adoro passar pela feira inteira, olhar todas as opções e começar a comprar na segunda volta. A variedade de frutas e legumes é impressionante mesmo para gringos bem acostumados a abundância do Brasil. A ideia de poder provar frutas e queijos antes de comprar é um luxo.
(Experimente pedir uma lasca de parmesão no Grande Epicerie de Paris ou no Harrods de Londres e você vai entender minha alegria.)
Mas como nem tudo são rosas, é na feira que eu vejo as crianças da favela local, em bando pedindo moedas ou se oferecendo para carregar minhas sacolas por alguns trocados. No começo isso me chocou demais. A ponto de chegar em casa e me trancar no banheiro para chorar. Mas aos poucos fui entendendo que: o moleque do farol está pedindo porque os pais o obrigam, e os bebês de colo nem sempre são das "mães". E aprendi a me manter distanciada desse ciclo vicioso não contribuindo em farois e sim com instituições de apoio que eu achei honestas. E como acontece a muitos - infelizmente, fui me anestesiando.
Assisti o filme CRIANÇAS INVISIVEIS ("All The Invisible Children") e fiquei muito comovida com a abordagem que a Katia Lund deu a história das criancas Bilu e João. Eles são da favela, trabalham para trazer comida para casa, brincam e sorriem. Mas no filme percebe-se que estão chegando perto da fronteira entre achar que a vida pode ser bela e perceber que ela pode não oferecer esperança. E a ultima cena deixa bem claro que o futuro deles depende de outros.
Um destes sábados na feira, umas crianças vieram me pedir moedas, e depois pastel. Pareciam ter entre 10 e 14 anos. Um pequenininho aventurou-se e pediu um chocolate. Achei aquele garotinho ousado tão querido que pensei logo em uma maneira de ele ganhar o seu chocolate. Perguntei se ele frequentava a escola e todos responderam que sim.
Eu: "Então é o seguinte. Vou fazer umas perguntas e quem acertar ganha um chocolate"
Tinha uns oito ou dez moleques á minha volta, e alguns pularam alegres.
Eu: "Em que ano o Brasil ficou independente?"
Silencio.
Eu: "Quem descobriu o Brasil?"
Silencio.
Um leve mal estar tomou conta de mim ao perceber que a minha brincadeira tinha de repente se transformado em uma coisa mais séria. Comecei a pensar rápidamente em algo mais fácil.
Eu: "Quem é o presidente do Brasil?"
Menininha:"Serraaaa."
Menininho: "Não, é a Marta."
Eu: "O presidente é o Lula. Deve ter uma foto dele na escola de vocês."
Meninos e meninas: "Lulaaaaa"
Melhor partir para numeros.
Eu: "Quanto é 4 X 5?"
Menininho 1: "Dez!!!"
Menininho 2: "Não, nove".
As pessoas que passavam olhavam com desinteresse, anestesiadas.
Parti para perguntas tipo 1+1 e nome da cidade para garantir o chocolate dos pequenos.
Mas meu coração ficou apertado. Fiquei com vergonha e tristeza de achar que podia fazer com eles o mesmo tipo de brincadeira que faço com os sobrinhos, o filho e os amiguinhos.
Onde está o direito a educação desses pequenos cidadãos brasileiros? Eles frequentam a escola, mas o que eles fazem lá se não sabem coisas que me parecem tão básicas? Que tipo de estrutura o governo garante a essas crianças? E como podemos esperar que elas quebrem o ciclo de pobreza e muito mais importante: o ciclo de ignorância se não as educarmos?
Será que eles acham que a "história do brasil" não lhes pertence? Ou que nada de bom pode ser multiplicado por 4?
Fiquei com muitas perguntas no ar, e para essas nem eu mesma sei a resposta.
Nunca pagamos tanto imposto.
Os nossos filhos estudam em colégios particulares.
Precisamos ter planos de saude.
O que acontece com todo o dinheiro que o governo arrecada?
Estou com esperança que o futuro presidente pense nessas crianças. Me proponho a pagar todo o imposto que me cabe (sem receber em troca a educação de meu filho ou a saude da minha familia). Mas, se esses recursos não estão a ajudar os mais necessitados, me pergunto: será que minhas contribuições ajudam a perpetuar um ciclo vicioso de desvio de recursos e de irregularidades como as que temos visto nos ultimos anos?
Que dúvida cruel!