Girl From Sao Paulo

"you are crossing the tropic of capricorn".

19 May 2006

madonna (part two)


Patrick tinha parado o documentário por umas semanas por conta desse music video e contou que a Madge (olha a intimidade, depois de uma filmagem e dois jantares ele já se referia a ela pelo nickname) tinha se mostrado curiosa pelo offline de “Marvin”. Acho que esse foi o quebra gelo deles.
Realmente se trata de um trabalho honesto e apaixonado pela musica e pela arte que nunca chega a passar perto do lado negro da vida do Marvin. Naquela época eu estava em discordia com essa separação da arte e do artista. Eu achava que a arte só advinha da dor, do sofrimento, da ansia e para criar algo, teria de se ter vivido, sofrido, sentido, chorado. (A voz da Billie Holiday poderia ter saido de alguem euforico?) Algo diferente desqualificava a arte. Entretanto, Julian Schnabel espalhava pelas revistas uma opinião precisamente oposta a minha. Que podemos sim ser felizes e produzir coisas belas. que o artista não precisa sentir faltas e tristezas para poder “criar” algo digno de mérito. Essa minha visão de então, ilustra um pouco a falta que eu sentia de ver parte do documentário dedicada ao lado sensacionalista e que eu achava mais fecundo de inspiração. No entanto o documentário se ateve mesmo a musica. E para um artista como a Madonna, que vê sua vida constantemente confundida a sua arte com consequencias irremediáveis, o trabalho de Patrick é o ápice do respeito. Ela se sentiu em casa.
O documentário chegaria a pagar por sua postura irredutível na hora de distribuir a fita. São poucas as pessoas interessadas em dividir os aspectos de vida publica assim tão radicalmente, e o filme não rendeu bilheteria.
Eu raramente trabalhava finais de semana, e combinei de encontrar com o marido e o filho na hora do almoço. E lá fui para o Soho. Peguei meus habituais cinnamon-bun e cappuccino no Olive’s e entrei no predio. Nos finais de semana não tinhamos porteiro, e eu resolvi chegar cedo para ir organizando as coisas. Logo depois chegaram os demais (diretor e esposa, produtora executiva, e o editor chefe) e assistimos juntos mais uma vez. Agora com os ajustes de montagem e o telecine novo. Um detalhe interessante: no Avid trabalhamos com 2 monitores, um onde se organizam os materiais e outro onde se monitora o trabalho.Temos ainda um terceiro monitor da sony que é 100% fiel a imagem digital. No dia da primeira apresentação, um dos monitores por algum motivo apresentou uma imagem levemente esverdeada. E ela gostou. E o telecine foi para tentar chegar nesse tom.
O telefone tocou. Era a Aisha avisando que estavam a duas quadras. Isso tinha sido combinado para que alguem descesse e abrisse a porta para ela já que aos finais de semana isso ficava por conta de cada inquilino. Assim que avistei do 4º andar um carro preto com teto solar, fui para o elevador e desci.
Entre a porta de vidro do prédio e a rua, existe uma calçada que deve ter uns 3 metros no máximo. Assim que o carro encostou, esse seria o unico trajeto que ela teria de atravessar as 10:58 desse sábado. Até hoje eu não sei explicar de onde surgiram tantos turistas, tantas cameras, tantas pessoas que imediatamente a reconheceram. Mas de repente ela estava completamente rodeada e eu atrapalhadíssima não lembrava qual das chaves era a certa. Ela continuou placida junto a Aisha enquanto eu abri a porta e a tranquei de novo. Entramos no elevador e eu me desculpei: “sorry, I don’t know where all those people came from, and I kept fumbling for the keys, I’m so sorry” mas minha expressão devia ser tipo “puta que pariu!!! Tu és famosa pra caraaaalho!!!” Ela disse “don’t worry about it. I’m used to it” Só mais tarde quando contei a história ao marido é que me ocorreu pensar que a coisa podia ter sido provocada por alguem que tivesse vazado a localização dela. Mas duvido. Acho que era um exemplo de mal do oficio mesmo. Pessoa famosa não tem hora para si.
Subimos. Percebi mesmo uma cumplicidade entre ela, o Patrick e a esposa. Ele deu a ela de presente um livro que usou na filmagem, com fotos antigas em preto e branco.

Montagem aprovada e elogiada.

Entra a Karen com uma bandeja de chá de ervas (o Tea Room do Guggenheim soho era do lado e a gente sempre comprava). Momento relax.
Falou-se superficialmente sobre o filme “Evita” e ela não conseguiu esconder a felicidade. Falou que na semana seguinte estaria em Buenos Ayres para visitar as locações.
Madonna perguntou ao editor chefe de onde ele era na Australia e depois contou uma historia de quando ela visitou a Sidney (não lembro se era turnê) e ganhou de alguma figura publica um Didgeridoo. Trata-se de um instrumento musical milenar usado pelos Aborigenes e ela ficou tão feliz que imediatamente o colocou na boca para soprar. O unico detalhe é que nunca uma mulher tinha tocado tal instrumento e os Aborigenes acharam a attitude dela muito desrespeitosa rendendo isso até assunto em jornal. Contou uma historia parecida em relação a bandeira do Brasil, que ela usou para se embrulhar como tinha feito nos PSA (public service announcements – ou seja, comerciais) “Rock The Vote”.
“I think people do it on purpose, to put me on the spot……and……to call attention”.
Perguntou de onde eu era achando (como muitos) que eu fosse brasileira e quando eu dei o nome do pais de origem, ela contou que tinha olhado uma casa em um lugarzinho desse pais, que era o unico lugar onde ela andava na rua sem ser perturbada por ninguem. Eu contei empolgada que tenho umas tias que moram justamente nesse vilarejo, onde o Ringo Starr tambem tem uma casinha de campo bem simples. Ela sorriu e disse que soube que ele ama esse lugar.
Na ultima vez que fui lá, uns dois anos atras fiz uma caminhada com minhas primas e passamos na frente da casa do Ringo. Lembrei da Madonna e contei a historia dela a minha prima, e soube que ela acabou desistindo da casa depois de um ano ou dois. Mas o Ringo continua com seu refugio, sem cerca, sem nome, sem nenhum vizinho curioso. Um lugar muito catito.
A unica coisa que eu fiz com a Madonna foi pedir que autografasse o CD. Minha sobrinha tem esse CD até hoje, e acho que uma vez até contou a uma amiga que a tia tinha sido room-mate da Madonna em NY. (!!!!!) Quem conta um conto……
Ninguem tirou fotos com ela ou dela. Ninguem fez perguntas indiscretas. Ninguem cobrou nada. Ela foi tratada como qualquer outro cliente. E provavelmente não lembra de nada do que aqui escrevi.
Passei a ser fã e comprar todos os albums, a seguir a história dela com um certo interesse, vendo-a como mulher e não apenas como cantora. Fico feliz sempre que sai um novo single ou a noticia de outra turnê. Acho que ela tem um talento impar para se renovar a cada etapa sem se deixar ultrapassar ou se perder em modernismos excessivos.
Mas, confesso a vocês que como mulher fico muito mais feliz de saber que mesmo com tanta fama e notoriedade a Madonna consegue ter um cantinho dela com seus moleques, com seu marido e a vida normal que naquele sábado de manhã em Soho eu tinha achado que ela perdera para sempre.
Viva nossa amiga Madonna!