Girl From Sao Paulo

"you are crossing the tropic of capricorn".

26 December 2005

Quem nao for pirata que atire a primeira pedra.

Em 1998, o casal Soo e Hong K. chegaram a SP vindos da Gangwon Province, na Corea. A promessa de um futuro melhor para seus dois filhos foi o motivo que os levou a abandonar familia e a correr o risco de não passarem na alfandega, já que vieram como turistas em um navio a caminho do Chile e do qual a familia saiu escondida em Santos. Hong trabalhava como operário em uma mina estatal, e tinha um salário que lhes supria necessidades básicas, mas com tanta instabilidade economica e politica, decidou apostar no Brasil.. O irmão de Hong, Jung veio 3 anos antes e criou um pequeno império. “Aqui a gente é livre para andar e fazer o que quer, não precisa seguir ordens. Temos muitas oportunidades. O Brasil é o pais do futuro”. Hoje os filhos estudam em um colegio particular, e as familias moram cada uma em seu espaçoso apartamento no Bom Retiro. O casal comprou sociedade no negocio do irmão o que desde 2002 lhes rende uma viajem por ano aos estados unidos onde buscam a inspiração para os novos acessórios que a empresa produz. O sonho de ver a Disney, e conhecer New York foi finalmente concretizado. O nascimento da filha caçula (nascida dia 25 de Janeiro, dia de SP!) garantiu a permanencia da familia no pais. O sonho Americano - no Brasil.

O boliviano Manuel S., 25 desembarcou por aqui há um ano, atraído pelo anúncio de emprego com direito a "moradia, comida e salário de US$ 100" (R$ 270, considerado de classe média na Bolívia). Entrou no país pela fronteira do Paraguai, que cruzou a pé acompanhado de um Coiote. O pagamento pela travessia foi assumido por seu futuro patrão. Quando chegou em São Paulo, no entanto, não encontrou exatamente o que imaginava: a moradia, na verdade, era um cortiço no Bom Retiro, onde tinha direito a apenas um banho por semana e um colchonete no vão de uma escada; o cardápio se restringia a arroz com salsicha e o salário não passava de R$ 200. Mesmo assim, ficou. "Pelo menos aqui há emprego", diz. Todo mês ele consegue enviar para a mãe R $100 pelo correio. O emprego de Manuel consiste em piratear tennis de marcas famosas. Ele entrega 20 pares por dia. Cada par sera vendido por camelôs país afora a $20 reais. Uma diferença de R $180 das versões disponiveis em lojas.

Clodoaldo Junior tem 14 anos (aparenta 10) e vende acessórios no farol de uma avenida movimentada na Zona Sul. Ganha lanche e condução e sua mãe recebe do chefe meio salário minimo. Com esse dinheiro ela sustenta a famila de 5 e paga o aluguel do barraco na favela do Real Park. O produto que mais vende, segundo Clodoaldo é um clipe para usar no cinto de segurança. Por R $5 esse clipe permite que o cinto retenha a aparencia de estar sendo usado, enquanto segura a trava fora do encaixe, evitando multas. “Quem compra mais é motorista de taxi, eles ficam o dia inteiro no carro, e cinto incomoda” As multas baixaram, segundo estatisticas da CET, mas em caso de impacto a pessoa está absolutamente desprotegida. Clodoaldo estudou apenas até a 4ª serie, mas diz que se vira muito bem sem escola e prefere continuar a ganhar dinheiro no farol. “Pelo menos não empurro fumo, né?” diz ele sorrindo.


Eu não sou pirata.
Não compro esses tennis. Não compro DVDs piratas por 10 reais, e não compro o clipe que segura o cinto do carro, porque prefiro apertar o cinto mesmo. As fitas do playstation do meu filho são originais, por isso ele tem apenas 3. Não mereço nenhum prémio por isso, há até quem me ache trouxa por pagar R $49 pelo mesmo produto que lhes custou R $5. Minha motivação para ser assim, vem de um misto de honestidade (assim me esninou minha mãe) com medo (só de pensar em entrar na lojinha pirata da paulista, meu coração dispara apavorado e só relaxa quando eu saio) e tristeza (quem mais sofre é o povo que não tem dinheiro, anyway). Mas eu acredito que por menor que seja minha (ou a sua) participação no sistema, eu tenho o dever de ser honesta. Não sonego impostos, embora tenha duvidas sobre o bom aproveitamento de minhas contribuições fiscais por parte do governo. Não concordo com os impostos abusivos nos produtos importados (CDs e DVDs, por exemplo) mas se eu aderir ao comportamento comum, estarei traindo meus principios. Porque eu acho mesmo que o DVD comprado na praça da Sé por R $5 reais ajuda a justificar e perpetuar o trabalho escravo do meu irmão boliviano, e do garoto que vende quinquilharia no farol de cada esquina. A solução para os problemas da impunidade não pode ser a de abraçar o mesmo comportamento. A ideia de multar pessoas que não portem cinto de segurança deveria corrigir um comportamento que pode salvar suas vidas. Ao inves disso, os motoristas acham que se dão bem driblando os guardas de transito com o clipe invisivel. O DVD pirata é fruto de bastantes ilegalidades e abusos de direitos humanos, sem falar de direitos autorais.

Então, prefiro continuar sendo a “otária” que paga valores cheios pelo programa de computador, pelo DVD do presente de Natal e pelo tennis da Adidas. Assim, quando eu deito para dormir, sei que pelo menos não participei de algumas coisas que eu considero injustas. E nos meus sonhos, posso ver um futuro onde isso não precise acontecer. Para ser bem sincera, acho que eu é que saio ganhando!

Feliz Natal!