Girl From Sao Paulo

"you are crossing the tropic of capricorn".

12 May 2006

madonna (part one)

madge is in tha house

Um dia o diretor amigo (vamos chamá-lo de Patrick) chegou na produtora como tão frequentemente fazia ao longo da semana. O lugar era acolhedor, tinha sido uma galeria de arte e isso lhe dava um ar menos americano, mais europeu. Eu e Patrick tinhamos trabalhado juntos em projetos desde quando eu ainda era assistente de edição. Ele era lindo por fora e por dentro e cheio de ideais e ambição. Talvez por ser sul africano e negro com passagem por londres e casado com uma yankee. Ficamos amigos e trocavamos ideias sobre musica e livros (ele tinha uma ideia para escrever a biografia do Jimmy Hendricks), musica e cultura (só o ritmo de um tambor aproxima o povo numa cadencia cardiaca coletiva), musica e cinema (o piano da jane campion que eu amei e ele odiou). Sempre sobre musica.
Para Patrick, a obsessão do momento era o documentário sobre a arte e não a vida de Marvin Gaye. O artista e não o homem. O musico e não o amante ou filho drogado. Era sobre a dignidade que a arte nos doa mesmo quando todo o resto desmorona e rui. A musica como sustento da alma.
Eu estava em meus primeiros anos de editora, anos bem dificeis por estar entre o respaldo dos trabalhos do chefe editor onde as criticas ou louros eram dele, e o terreno que seria meu, que eu conquistaria junto com mais clients, uma liguagem propria, um poder de escolha. Por estar nesse começo, a produtora executiva (vamos chamá-la de Karen) não achou que eu podia editar o documentario do Marvin, e o projeto foi cair em outras mãos. Então o Patrick vinha conversar sobre a ediçao, e combinou trazer um offline para eu e o editor-chefe opinarmos. Achei que era esse o assunto quando ele entrou sorrindo na sala. Mas não era. “I’m gonna fucking shoot with Madonna”
Contou que Liz Rosenberg tinha ligado para saber se havia interesse em fazer um videoclipe da musica “I want you” que Madonna e Massive Attack tinham gravado.

Uma semana depois já com o aval da Karen, chegaram os dailies. Pouco material, em preto e branco discreto e o consenso foi que o material estava bem diferente do que normalmente era feito sobre Madonna. Até a produtora executiva estava animada com o clipe. Pela casa já tinham passado Pearl Jam (com o premiadissimo Jeremy), David Bowie, Hole, Iggy Pop, Busta Rhymes, etc e ninguem ficava ansioso na presença de celebridades. Mas tambem, Madonna não é qualquer celebridade. Eu confesso que fiquei um pouquinho euforica tambem com a possiblidade de conhecer Massive Attack.
A edição saiu bem simples, orgânica, sem pirotécnicas. Conforme a musica pediu. E chegou o dia de apresentar o cut.
Nosso cliente: ela em pessoa.
Logo imaginei um grupo de assistentes, seguranças, secretárias – uma algazarra e tudo que se espera de uma estrela desse porte. De manhã, a Liz Rosenberg ligou com alguns pedidos.
1. Por favor não vazar localização dela para a midia.
2. Tentar limitar o numero de pessoas dentro da sala ao essencial.
3. Evitar fotos.

A Karen ficou ofendida. Afinal, já tinha recusado um clipe do Michael Jackson para não se amarrar com pedidos excêntricos. (Dizem que MJ tem uma bula de regras que se aplicam por lei a cada pessoa que passe perto dele durante uma filmagem, do maquinista ao diretor, sendo que qualquer anotação rasgada e jogada no lixo que acabe nas mãos de um jornalista pode render um mega processo a equipe inteira). E passou o dia fazendo picuinha, entrando na sala, lembrando de algum outro detalhe que tinha escutado sobre a Madonna: "ela é mãos na massa, pessoal, vai querer apertar botões" ... "uma vez depois de ver o clipe ela mandou trocar diretor na hora" ou "gente, eu estou achando que vocês filmaram pouca coisa".

Avisaram que ela era pontual e exatamente as 19:30 a recepcionista avisou que ela aguardava o Patrick. Passaram-se uns segundos até que o Patrick reconheceu o seu nome e se dirigiu a recepção. Na sala de montagem ficamos eu, o editor chefe (meu mentor querido e um dos maiores e mais premiados talentos que eu já conheci) e Karen. Madonna entrou acompanhada de sua assistente Aisha e Carlos Leon. Cumprimentou a todos olhando cada um atentamente e sorrindo e apresentou Aisha e Carlos com os nomes, sem atrelar títulos ou funções a eles. Depois de algumas banalidades do tipo “esse single vai ser seu maior sucesso” e “é uma honra tê-la em nossa produtora” o Patrick fez seus comentários pré-apresentação.
Play.
Ela assistiu algumas vezes, eu estava certa que ela escutava meu batimento cardíaco num mix de nervoso pelo job em si e pelo cliente em questão, mas depois de passar o clipe umas 6 vezes ela falou: “It looks great”
Ela não pediu para trocar a cena onde ela aparece com o make up escorrendo e os cabelos desgruvinhados. Nem pediu para parar cena a cena para olhar cada contorno do rosto como faz a Mariah Carey. Fez um comentário sobre continuidade e o editor chefe imediatamente explicou que se tratava de uma linguagem “não-linear” ao que ela logo respondeu que sendo assim, devia ser muito mais "não-linear" então. E eu observei algumas coisas: ela é muito mais miuda e aparentemente frágil do que lembrava; os olhos dela vistos de perto são azuis com o centro ambar claro; ela é extremamente educada e profissional; pelo tom de voz suavemente trêmula ela devia estar nervosa talvez por estar trabalhando com um diretor “artista” e não “moderno”. Acima de tudo, senti algo que a gente facilmente ignora quando na presença de uma estrela: ela é sujeita aos mesmos sentimentos e sensações e inseguranças e desconfortos e euforias que eu e você.
Combinámos um próximo encontro com ajustes de montagem e o telecine online. E ela agradeceu a todos com um abraço e saiu.
Estava usando um vestido de alcinhas e renda cor de pele (eu acho que era D&G), sapatos pretos, casaco de couro e os cabelos (loiros) amarrados. No rosto apenas baton.
Nos dias seguintes saiu a noticia que ela seria a Evita Peron no filme do Alan Parker e que ela estava se aconselhando com um especialista de infertilidade.

(to be continued)

o job de sexta feira

Qualquer pessoa que trabalhe em publicidade já viveu estes momentos.

Pre-produção
1. filme entrou sexta (depois das 20:00hs)
2. dos 12 dias pedidos, temos 5 - contando com o final de semana
3. o conceito para 5 dias ficou igualzinho ao que tinhamos para 12
4. prazo não é negociavel, já que a agencia tem midia comprada

Produção:
1a. apresentação offline segunda as 11:00hs
2a. o diretor de criação vai viajar, então precisamos ter o filme pronto no 4º dia (e não no 5º, desculpem)
3a. " hummm, ficou legal, mas porque é que vocês decidiram mudar a cena do helicoptero para camera parada em estudio?"
4a. o diretor de criação acha importante rever o conceito do filme, entaõ dá-se um jeito na midia e surge prazo.

Pos-Produção:
1b. apresentações via web, a qualquer momento que for necessário - assim não se perde tempo com transito.
2b. vamos acabar usando 12 dias mesmo. só que, refazendo o mesmo filme várias vezes.
3b. faremos a cena do helicoptero em 3D
4b. atendimento começa a rotina de perguntar se saiu a fita - a cada dois minutos.

Resolução:

1c. fita chegou na hora
2c. a criação AMOU o filme, segundo eles é o melhor feito para este produto no ano inteiro.
3c. a cena do helicoptero ficou sensacional. vamos orçar o proximo totalmente em 3D? o prazo deve ser bem menor.
4c. o filme não vai para o ar. o cliente não tinha aprovado aqueles roteiros.