Girl From Sao Paulo

"you are crossing the tropic of capricorn".

08 July 2006

vida, circo e devaneios


Quando eu era menina adorava circo. Hoje o circo é um espetáculo organizado, que acontece em salas climatizadas e sucesso de bilheteria garantido. Cito como exemplo o Cirque de Soleil, para o qual os ingressos custam acima de $200.
Os circos da minha infância eram itinerantes, do leste europeu, tinham ciganas que liam folhas de chá e tarô, contorcionistas russos e domadores de leão. Eu só não lembro muito bem dos palhaços porque de tanta aflição que me davam, sempre cobria o rosto quando eles entravam em cena. Uma vez minha curiosidade me levou tão perto que fiquei amiga de um garotinho trapezista da mesma idade (uns 8 anos). Nenhuma das linguas que eu aprendi na escola me valeram ja que ele não falava ingles, frances ou portugues. Falávamos com gestos e sorrisos. O nome dele era Aleksander ou algo assim parecido com esse som forte do k. Ao lado dele, acompanhei a montagem do circo, desde o descarregar das toras ao encaixe das estruturas metalicas e finalmente o glorioso e emocionante momento em que o pano listrado caiu drapeado por cima de tudo formando a tenda. Quando o circo se foi umas semanas depois e ele se despediu com alguma frase incompreensivel e um beijo molhado na minha bochecha, a ultima imagem que ficou foi a de Aleksander correndo graciosamente ate o ultimo carro, de onde me acenou até sair de vista.
Nunca mais o vi.
Nos dias que se seguiram a essa partida descobri duas coisas: primeiro, que tinha passado a hospedar no meu couro cabeludo umas criaturas chamadas piolhos. Foi um evento em casa! Minha mãe aplicava poções e resmungava me proibindo de falar com estranhos. No fim descobrimos que minhas primas que nem tinham estado perto do circo tambem tiveram um surto de piolhos, o que fez com que minha mãe se acalmasse. A segunda coisa foi que a passagem daquele menino vindo de um universo tão diferente, pelo meu universo tão corriqueiro despertou em mim uma curiosidade sobre o porque de algumas coisas que até então estavam desapercebidas. Aos 8 anos você está prestes a perguntar muitas coisas e não acho que sem o garoto trapezista eu teria pulado essa fase ou algo assim. Mas por motivos circunstanciais, associo esse despertar a ele.
Depois que ele partiu, me perguntava como era ser ele. Porque eu nasci aqui e não lá? Porque minha vida era de repente tão simplória e a de Aleksander tão exótica? Porque a minha amiga Heloisa ficou orfã se ela era tão boazinha? E onde estava Deus enquanto Anne Frank escrevia?

O quanto de todas estas coisas nós controlamos? Será que a gente vem com uma missão, escolhida antes do nascimento? E para onde vamos depois da morte? Será o mesmo lugar onde estávamos antes de nascer? Porque se a gente parar pra pensar um pouquinho, que eramos antes de nascer senão mortos? Porque gostamos de uma pessoas e não de outras? Porque algumas pessoas tem o direito a uma vida longa e saudavel e outros partem cedo demais? Porque o nosso fardo as vezes parece tão grande? Como explicar o ato de se apaixonar, de achar amor perfeito? E o dejá-vu? E pensar em alguem segundos antes da pessoa telefonar?
Cada um corre atras de suas respostas: muitos abraçam o nihilismo, muitos a religião, e muitos não fazem assim tanta questão de saber. Esses ultimos são os que eu mais invejo.
No meu caso a curiosidade me levou, e depois de muito ler sobre filosofia, existencialismo, psicologia (freudiana e jungiana), cheguei a um lugar onde as respostas que venho achando fazem algum sentido. O Budismo Tibetano traz conforto, me guia na busca e nunca me cobra presenca ou compromisso. E o mais importante é que me ajudou a aceitar e entender quem eu sou para poder inlfuenciar quem eu ainda posso ser.

E quem foi que disse que circo era programa leve e divertido?