Era adolescente, quando experimentou haxixe pela primeira vez. A droga deu-lhe uma sensação de calma, um prazer suave e flutuante como se estivesse sentando em uma nuvem. Deitado na areia da praia sentia um tintilar no peito, um leve tremor, os sons ficaram abafados, os movimentos ralentados, e na pele um halo de calor acolhedor que o lembrou de um estado febril.
Quando acordou de manhã, lembrou das infinitas funções que tinha pela frente, dos exames no colégio, da mãe no hospital, do pai em transito, da familia toda que estava a caminho, de quantas vezes ele teria de repetir a história de como ele encontrou a mãe quase morta. E a unica coisa em que pensava era na sensação que tinha tido no dia anterior quando fumou haxixe.
E foi buscar mais.
A irmã dele era certinha, careta. Não podia nem saber.
Mas entre os amigos, o segredo estava bem guardado, e os dias ficaram mais fáceis de enfrentar. Contava a história sem dor, quantas vezes fosse necessário, ajudou a mãe a recuperar-se, ficava horas abraçado com ela no sofá assistindo programas do National Geographic. A mãe ficava feliz, sorria de novo.
O tempo passou, a mãe sobreviveu, a irmã saiu de casa e foi para a faculdade. Ele decidiu que ia dar um tempo, ficar com a mãe para dar um apoio e pegaria os empregos que aparecessem só para ganhar dinheiro. Depois ele via o que fazia.
Um dia o amigo do haxixe sumiu, e foi preciso procurar em outro lugar. Quando achou o vendedor novo, descobriu que havia uma outra droga bem melhor, mas essa era para os fortes. Se conseguisse lembrar da sensação que tinha tido na primeira, teria de multiplicá-la por milhões, e assim chegar práximo de imaginar o que essa nova droga lhe daria.
Não era muito cara.
Chamava-se Heroína.
Ele topou.
Menos de 5 anos depois, sofreu uma overdose. No hospital contaram a mãe que ele usava drogas.
A irmã careta apareceu e encheu a cabeça de todo mundo, dizendo que ele era doente, precisava se tratar. Mas ele não era. Ele usava droga quando queria. Isso não era doença. Ele conhecia muitas pessoas que usavam droga quando queriam.
Dois anos depois teve uma pneumonia e foi de novo hospitalizado. Desta vez os médicos avisaram que se não parasse de usar drogas, corria risco de vida.
Com medo de morrer, tentou parar. A mãe contratou uma enfermeira, e fizeram a cura em casa. Parou uma semana e voltou a usar. Mentia. Chorava. Parava. Voltava. Roubava. Sumia. Voltava.
A irmã careta ofereceu-se para o levar para longe, na condição de se tratar e ele topou. Viajou 11 horas dentro de um avião, chegou lá e foi levado diretamente a uma clinica especializada. Começou a se tratar, viu que a saúde estava excelente apesar de tudo, e viveu uma vida normal. Conheceu pessoas novas, trabalho novo. Sabia que as drogas ali eram diferentes, mas foi forte e não quebrou o combinado. Mas por mais que procurasse, não conseguia sentir nada que se comparasse a sensação mágica da droga incrivel. Nem se nadasse milhas, corresse kilómetros, olhasse o céu, escutasse os passarinhos, beijasse alguem, comesse um doce, bebesse um vinho. Depois de ter sentido aquilo, nada mais na vida seria comparável. E não lhe saía da cabeça.
Arrependeu-se de ter experimentado. Teve raiva da vida, da irmã careta, do pai que foi embora, da mãe que dependia tanto dele e da droga que custava tão caro.
Insistiu. Ficou mais um tempo.
Mas a mãe tinha saudade dele. E ele dela.
Voltou para matar saudade. Da mãe. E da heroína.
Foi ao amigo só mais uma vez. O amigo ficou feliz, deu-lhe uma porção sem cobrar. Ele saiu numa ansiedade tão grande que teve de parar num beco para fumar. Só mais uma vez, depois ele parava.
Quase morreu de euforia. O que ele teria de fazer para poder usar aquela droga, sem ninguem saber - e sem ter de morrer?
Impossivel.
A mãe implorou que parasse. A irmã impôs condições, se ele quisesse ajuda podia contar com ela. Mas se não parasse, nnao a procurasse mais.
Brigou com a irmã careta. Saiu de perto da mãe que só chorava sempre que o via.
Correu para os braços da droga amada.
Por causa do continuo uso de droga, morreu de pneumonia,aos 35 anos sozinho no hospital.
Do dia em que experimentou haxixe ao dia em que a heroína o matou, passaram-se 20 anos.
Esta história é verdadeira.
Eu sou a irmã careta.
A Amy Winehouse não morreu porque tinha 27 anos, nem porque era um gênio da musica, nem porque tinha uma vida tão insuportável que precisava se refugiar na droga. A midia que publicava as fotos dela bêbada e semi nua não tem culpa de ela aparecer bêbada e semi nua, só tem a culpa por publicar matérias predadoras. Nem o pai nem a mãe dela a poderiam ter resgatado. E duvido até que ela quisesse morrer. Acho mesmo que ela gostava de viver. Mas aposto que ela queria o mesmo que o meu irmão, e todos os usuários de drogas mundo afora - Achar uma maneira de continuar a vida que tinha, e continuar a usar a droga.
Só que isso não é possivel.
E sómente conseguimos salvar alguem que queira ser salvo. Eu e minha familia tentamos muito salvar o meu irmão. A familia da Amy tambem. Mas não conseguimos, porque droga é uma merda. Vicia e agarra de uma maneira que a pessoa não consegue viver sem ela, sem a memória dela. Nem sob ameaça de morte.
Aposto que mesmo depois de ver a notícia sobre a Amy, neste exato momento, vários irmãos estão tentando drogas novas, achando que vão dar conta de parar na hora que quiserem. Porque o ser humano olha o trágico e pensa que nunca vai acontecer com ele. E na sua prepotência se vicia.
Alguns irmãos caretas, mesmo sabendo das incriveis sensações prometidas pela droga temem mais o vicio do que o desejo e jamais experimentam.
Dependendo da idade e dos grupos, tambem não é facil recusar, e os que conseguem são as vezes chamados de caretas. Para meu irmão, eu fui sempre a irmã careta e medrosa, que avaliava demais cada passo.
Mas se eu pudesse dar um conselho, seria - “não experimente”. Eu não consigo imaginar viver a minha vida inteira pensando em algo que eu não pudesse ter. Tipo, sorvete, ou café. Então, melhor nunca experimentar.
A Amy e meu irmão devem ter sentido sensações que eu jamais conseguirei vislumbrar. Viveram a vida que queriam. Fizeram as escolhas que fizeram. E pagaram por isso com a vida.
Os amigos, pais, fãs, e esta irmã careta sofrem as dores periféricas. Por mais que se procure entender, é triste saber que há lago tão forte que supere para eles todo o amor que podemos lhes dar.
Da minha parte tive um choque inicial e precisei me acostumar a ideia de não ter meu irmão, Mas hoje, faço um brinde a vida dele e tento lembrar do que foi bom.
Então, Cheers João e Amy!
http://www.youtube.com/watch?v=rXLB32n6lq8